sábado, março 25, 2006

Desencontro - parte I

Estou parado num sinal vermelho, concentrado no telemóvel, alheio às luzes dos carros e ao barulho da rua. Sinto-me observado e quando olho para o lado, lá estás tu, a sorrir para mim, parada no carro ao lado. Já não te via há anos. Cinco, seis? Não sei. “Se nos encontrarmos por acaso, encontramos….”, dizias-me tu uns meses antes quando te telefonei só para ouvir a tua viz sob o pretexto de te convidar para jantar. Não podia acreditar na coincidência ou no facto de realmente controlares o destino, como cheguei a acreditar em tempos. Apresso-me a abrir o vidro e pergunto-te se queres parar um bocadinho mais à frente para conversarmos. Tens a música tão alta – Walking Away dos Franz Ferdinand, por irónico que pareça – que não consigo perceber a tua resposta. Gesticulas qualquer coisa e eu digo-te que vou atrás de ti. Não sei se me ouviste ou não, mas sabes que eu vou sempre atrás de ti. Assim que o sinal abre arrancas a grande velocidade e eu fico sem saber se chegaste a ouvir o que te disse. Sigo-te e tu travas com a mesma violência com que arrancaste, num beco sem saída, desligas o motor e ficas parada, sentada, dentro do carro. Estaciono mesmo atrás de ti e hesito entre sair ou ficar sentado no carro como tu, à minha espera. Mas tu és tu e eu sou eu por isso…. saio, claro, e vou ao teu encontro. Assim que me vês aproximar sais também do carro, fechas a porta e ficas ali parada a olhar para mim. Cumprimentamo-nos, constrangidos. Pergunto-te como estás. “Bem, e tu?”. E aí eu começo a falar, a contar-te a minha vida, a dizer-te de todas as maneiras possíveis que estou bem sem ti. E falo, falo, falo e a dada altura já nem sei bem o que digo e tu limitas-te a ficar ali, parada, com os braços cruzados não sei se por tédio se para te protegeres do vento gélido que corta a noite, encostada à porta fechada do teu carro. Estás bonita, mas cansada. Faço uma referência à coincidência de nos termos encontrado, sem conseguir esconder uma pontinha de entusiasmo. Convido-te para “comer qualquer coisa”, evito a expressão “jantar” que poderia parecer mais formal e, consequentemente, aumentar radicalmente as hipóteses já por si elevadas da tua resposta ser não. Dizes-me que não podes e eu resolvo não insistir. Eu continuo a falar, a lamentar o facto de não conseguirmos conversar, de recusares terminantemente todas as minhas tentativas de aproximação, a tua distância. Tu continuas calada, não dizes nada, mas a partir de certo momento começo a notar que se instalou no teu rosto um sorriso suave, sincero e que teima em permanecer. E esse sorriso diz mais do que tu poderias alguma vez dizer por isso eu resigno-me com o teu silêncio. “Tenho que ir andando”, dizes a dada altura como se tivésses estado todo este tempo à espera, à espera que o tempo que me concedeste terminasse. E não me dás nem mais um segundo. Continuas um bloco de gelo por isso digo-te “Ok, até à próxima então” e dirijo-me para o meu carro sem olhar para trás uma única vez. Metes-te no carro, arrancas e por sorte vais para o mesmo lado que eu. Sigo-te e sinto que hoje o destino está mesmo do meu lado porque apanhas todos os sinais vermelhos o que não te permite fugir de mim. Sei que me podes ver pelo espelho retrovisor por isso agarro-me ao telemóvel só para parecer ocupado. Do outro lado da linha não está ninguém. Só quando não resisto a telefonar-te. Parada à minha frente em mais um semáforo vermelho, vejo-te colocar o auricular antes de atenderes. “Sou eu, estou atrás de ti no semáforo. Moro aqui perto e... pensei que podias ir conhecer a minha casa e falarmos com mais calma”. Estás mais descontraída. “Que disparate, achas que vou a tua casa?”. Porque não, pergunto. Isso está fora de questão, respondes. “Vira à esquerda já nesta rua, depressa!”. Reajes instintivamente e viras. Estacionas de imediato. Levanto-me e vou ao teu encontro. Abres o vidro, sorridente, mas desta vez não sais do carro. “Gostava muito que subisses. Estou sozinho, não está ninguém em casa”, digo-te não fosses tu estar a pensar que te queria apresentar a ela. Claro que só pensei depois de falar. “Só queria que... esquece a ideia, já deves estar a pensar coisas e não quero que penses nada”, digo. Abanas a cabeça e dizes-me que não estás a pensar em nada. Apenas não podes ir, não seria correcto, não queres mentiras na tua vida. Pergunto-me se nós teremos sido uma mentira. Olhas para a minha aliança, eu olho para a tua. Sorris mais uma vez. “Se eu fosse, contavas-lhe?”, perguntas-me. “Estás louca? Claro que não!”. Perguntas-me como é que eu consigo dizer isso com essa naturalidade. Explico-te o que tu já sabes: “Tenho as minhas prioridades muito bem definidas na minha cabeça. Não é ela que está na prateleira de cima… não preciso de dizer mais nada, pois não?”.
Está frio, os carros vão passando e eu nem acredito que estou ali no meio da rua, gelado com o vento, como se tivesse outra vez 16 anos. Por tua causa, sempre por tua causa. Mas tu estás ali dentro do carro, com o cabelo revolto pelo vento e a sorrir. Aproximo-me da janela do carro, baixo-me e apoio-me nela com os cotovelos e agora és tu que olhas para baixo. Estamos incrivelmente perto um do outro. Continuas a sorrir e sinto que não tens pressa nenhuma para te ir embora. Falamos de amigos em comum que viviam perto daquela zona. Tu falas-me daqueles com quem ainda manténs contacto, eu falo-te dos do meu lado e por momentos parece que o pequeno mundo que construímos os dois voltou a existir. Sinto que tu pensas o mesmo. “Foram tantas coisas....”. Pois foram, concordas. Voltas a olhar para a minha aliança mas não dizes nada e isso desespera-me. Não me dás um sinal e eu sinto que já falei demais. “Nunca pensei que te pudesses casar… ”. Frase errada porque me dizes “tenho mesmo que me ir embora”. Digo-te que compreendo e afasto-me do carro. “E agora, voltamos a encontrar-nos daqui a quantos anos?”. Não respondes, fazes inversão de marcha, metes a cabeça fora da janela e, com o carro em andamento, diriges-me um sorriso de despedida. Onde é que eu estava com a cabeça no momento em que te deixei fugir da minha vida?

3 comentários:

Anónimo disse...

Brilhante. A vida é mesmo feita de mal-entendidos...

Anónimo disse...

"Onde é que eu estava com a cabeça no momento em que te deixei fugir da minha vida"?

Boa pergunta. E quando o fazemos repetidamente, apesar das concidências, do acaso ou do destino teimarem em nos trocar as voltas? Porque acabamos sempre a repetir os mesmos erros? :)

Anónimo disse...

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