Por ti
Estavas sentada em cima do muro caiado de branco com um vestido verde claro e um lenço branco na cabeça. Tinhas as sandálias - verde água - ao teu lado, em cima do muro, e nem me sentiste chegar. Sentei-me ao teu lado, mas com os pés para o lado de dentro e não te disse nada. Tu sorriste sem sequer olhar para mim e assim ficámos, largos minutos, debaixo do sol escaldante. Virei-me para o mar e peguei-te na mão. Olhei em volta mas não vi o teu carro. "Como chegaste aqui?". À boleia, respondeste. "Com alguém conhecido?". Claro que não. Pela primeira vez em anos não tenho nada para te dizer. Melhor: não tenho mais nada para te dizer. Ambos sabemos porque ali estamos. Tu sabes o teu e o meu papel. Eu sei que faço o que tu me pedires. Tiras o lenço e mostras-me, pela primeira vez, a tua cabeça completamente nua. Olhas finalmente para mim e percebo que acabaste de te entregar a mim uma última vez. Estás inacreditavelmente bonita e não resisto a passar-te a mão pelo rosto. Não ofereces nenhuma resistência. Quero beijar-te mas sei que se o fizer a memória desse beijo me vai torturar todos os dias da minha vida. Por isso não o faço. Quero abraçar-te, mas se o fizer receio não te conseguir largar nunca mais. Por isso não abraço. Desvio o olhar enquanto coloco as minhas mãos no teu braço e nas tuas costas. Trinco o lábio inferior até saborear o sabor do sangue na minha boca só para tentar sentir alguma dor mais forte. Olhas para mim e eu deito uma rápida olhadela ao teu olhar. Acenas afirmativamente com a cabeça e fechas os olhos. Empurro-te de olhos fechados para não gravar nada na minha memória. Não fazes nenhum som e eu acredito que quando abrir os olhos ainda vais estar ali. Abro-os e de ti ficaram apenas as sandálias. Verdes. As sandálias que eu te dei no dia em que te disse ao ouvido que era capaz de morrer por ti.
1 comentário:
Não sei explicar, mas a tua escrita é tão sincera, tão sensível em palavras... fazes-me emocionar!!! LINDO
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