Fantasmas

F
Estás de costas para mim mas não preciso de ver o teu rosto para saber que és tu. Sinto a tua presença. E isso basta, sempre bastou. O mundo pára, porque o mundo pára sempre nestes momentos, e tu viras-te e vês-me e fixas os olhos em mim e eu olho-te e quero sorrir mas não consigo e o mundo está parado mas eu não consigo parar, continuo a andar, e tu olhas para mim como se visses um fantasma, um fantasma que voltou 15 anos depois, e tu estás ali, com os teus filhos dentro do carro, suspensos como o resto do mundo, à espera, como todos os outros. Mas eu não consigo esperar, e passo por ti sem parar, e tu segues-me com os olhos, suspenso também tu, e eu passo, e desvio o olhar e o mundo recomeça e o momento passa.


M
Meto-os no carro um a um e sinto-te, sempre te senti, e apesar dos anos que passaram não duvido nem por um momento que estás ali por isso viro-me e vejo-te, com os olhos fixos em mim, e deslizar por entre a multidão, como um fantasma, o meu fantasma, a passar por mim, e eu quero ir ter contigo mas não consigo andar, e quero sorrir-te mas os meus lábios não obedecem, quero acenar-te mas sinto-me preso, preso em ti, que te aproximas, cada vez mais perto, cada vez mais perto, e estás ao meu lado e eu grito o teu nome em silêncio mas tu não ouves, não paras, passas por mim e segues o teu caminho no meio da multidão suspensa e eu esperei tanto tanto por este momento que deixei acabar antes de ter começado.