sexta-feira, abril 14, 2006

O cinzeiro

Acendo o 6º cigarro e enquanto tu recordas aquela vez em que…. não sei, nem ouço… eu penso que vou ter que pedir ao empregado para trazer outro cinzeiro. Viro a cabeça na tua direcção, sorrio mecanicamente, continuo sem te ouvir, sem te olhar nos olhos e procuro discretamente uma mesa de onde possa sacar um outro cinzeiro. “E tu?”, surpreendes-me. Pá, eu quero continuar a fumar. Baixo a cabeça, digo que sim e encolho os ombros. Não ouvi a pergunta mas aparentemente safei-me bem porque tu continuas no teu monólogo crente que se trata de um diálogo e eu esforço-me por te ouvir mas não entra nada, nem uma palavra. Perante mim desenrola-se um filme mudo, não fosse o barulho dos carros, das pessoas que passas, das que estão sentadas ao nosso lado. “Sabes isso, não sabes?”. Aceno que sim com a cabeça, mas de facto não sei nada, nem sequer o que estou ali a fazer. E tu continuas a falar e eu acendo mais um cigarro, sempre vou ocupando as mãos e tendo uma desculpa para ter a boca calada. E continuo sem te ouvir e sem saber, sem saber nada e olho-te, pela primeira vez fixo o olhar em ti, enquanto falas, e reparo na forma como mexes no cabelo, como articulas os lábios, como as mãos acompanham o ritmo das palavras e não sei nada e não te ouço, não te ouço, será que não percebes que não te ouço? Não te ouço porque já não sei sequer quem tu és e por isso não reconheço uma única sílaba que sai de ti.