sábado, março 25, 2006

Desencontro - Parte II

Estou parada em mais um sinal vermelho quando acabo a conversa com ele. Já é tarde mas ele espera por mim para jantar. Olho para o relógio e sei que tenho que me apressar. Olho para o carro ao lado quando te vejo, também tu concentrado no teu telemóvel. Não posso dizer que seja uma surpresa completa, mas estou a olhar para ti quando te viras e me vês. Abanas a cabeça enquanto sorris, abrimos os dois os vidros e não percebo nada do que dizes mas também não me lembro de baixar o som do leitor de CD´s. Quando baixo, perguntas-me se não quero parar mais à frente para conversarmos um bocadinho. Não sei quantos anos vão passar até te voltar a ver por isso esse é um convite que tu sabes que eu não posso recusar. Paro mais à frente e tu paras logo atrás de mim, não me dás sequer tempo para ver como estou, mas depois de um dia de chuva e vento posso imaginar como estarei. Vejo-te aproximar do carro e saio também, já deves estar a pensar que não saí primeiro porque continuo a mesma de sempre, mas a verdade é bem mais básica: só queria ver como estava o meu cabelo. Cumprimentamo-nos constrangidos e eu sinto que não te posso dizer nada daquilo que quero e que por isso não tenho nada para te dizer. Mas pergunto-te como estás e tu resumes-me a tua vida nos últimos anos: o trabalho, a casa, a tua mulher. Se não te conhecesse tão bem era capaz de jurar que estavas a pintar o quadro de cor-de-rosa, mas sei que não faz o teu género. Está um frio insuportável e não faz qualquer sentido estarmos ali no meio da rua a conversar. Mas quando me convidas para irmos comer qualquer coisa não consigo dizer que sim. Acabei de lhe telefonar a dizer que estava despachada e combinámos ir jantar a casa dos meus pais e a esta hora ele já lá deve estar e vai estranhar o meu atraso. Falas da coincidência de nos termos encontrado e eu sorrio. As coincidências não existem, somos nós que as criamos e não penses que passei na rua onde trabalhas por acaso. Mas tu, claro, estás longe de imaginar isso. E por isso lamentas não mantermos contacto, falas do afastamento que nos impus, da minha frieza nas poucas vezes que me telefonas, da falta que sentes de falar comigo. E eu fico calada, não me sai nada, não posso deixar que me saia nada, mas tenho um sorriso teimoso que se instalou no meu rosto contra a minha vontade e que me denuncia por completo. Conseguirás entender para além do meu silêncio? Dizes-me que está frio e perguntas-me se não será melhor conversarmos no carro. Na última vez que isso aconteceu tentaste beijar-me, mas não é por isso que eu digo que não. É porque me lembro dele e sei que tenho mesmo que me ir embora. Outra vez. “Tenho que me ir embora”, digo-te. “Está bem”, respondes-me, dás-me dois beijos e viras-me costas. Fico desiludida pela ausência de resistências e agradeço a mim própria por me ter mantido em silêncio. Por isso apresso-me a entrar no carro e a afastar-me dali o mais depressa possível. Apanho todos os sinais vermelhos e pergunto-me se isso será um sinal. Devo afastar-me? No leitor de CD´s Walking Away dos Franz Ferdinand. Pelo espelho retrovisor vejo que me segues à distância. Nos semáforos não olhas para mim e concentras-te no telemóvel. Sinto que alguma coisa se perdeu para sempre, qualquer coisa que era para mim inquestionável. Estás parado atrás de mim, em mais um vermelho, quando o meu telefone toca. És tu e eu respiro de alívio por o nosso encontro ainda não ter terminado. “Estou atrás de ti”, dizes-me. Eu sei, respondo-te. “Moro aqui perto e… gostava muito que conhecesses a minha casa”. Digo-te que isso é um disparate e que não vou de maneira nenhuma conhecer a tua casa quando me dizes com urgência “Vira já aqui à esquerda!” e eu viro. Estaciono logo a seguir, tu voltas a parar atrás de mim. Estou com pressa e não saio do carro mas tu vens ter comigo e insistes. Dizes que estás sozinho percebes que posso ter entendido mal, voltas atrás. Eu estou feliz, sinto que afinal talvez não se tenha perdido nada por isso continuo a sorrir. Olho para a tua aliança e pergunto-te se eu subisse se lhe contavas, ou melhor, se lhe vais contar que nos encontrámos. “Estás louca? Claro que não!”, e eu espanto-me com a facilidade com que dizes isso, pergunto-me quantas outras já te terão forçado a mentir-lhe. “Tenho as minhas prioridades muito bem definidas na minha cabeça. Não é ela que está na prateleira de cima… não preciso de dizer mais nada, pois não?”. Não, não é, mas eu gostava. E gostava de te perguntar se esse lugar que ocupo é cativo e se vais continuar a olhar sempre para mim da maneira como estás a olhar agora. Mas calo-me mais uma vez. Insistes na história da casa. “Não… ia detestar que me fizessem isso a mim”, respondo-te. “Se ele te fizesse isso… ias ficar muito magoada?”, perguntas. “Claro que sim”, respondo e percebo que esta não era a resposta que querias ouvir. Gosto de te ver ali parado no meio da noite, em plena rua, à porta de tua casa, com um frio de rachar. Faz-me sentir que nada mudou. Aproximas-te do carro, baixas-te e colocas os cotovelos na janela. Falámos de antigos amigos em comum, quase todos teus. Volto a olhar para a tua aliança, tu olhas para a minha. “Nunca pensei que te casasses…”, dizes. E isso faz-me lembrar dele e de que estou atrasada e não sei se penso em voz alta ou se digo mesmo “Tenho que ir”. Pelos visto disse mesmo porque mais uma vez tu afastas-te de imediato do carro enquanto me perguntas daqui a quantos anos nos voltaremos a ver. Não te respondo, faço inversão de marcha e olho para ti uma última vez. Apanho o primeiro sinal verde da noite e sigo em frente enquanto me pergunto porque raio me deixaste fugir da tua vida? Penso nas coisas que me disseste e sorrio e lamento não ter retribuído. Por isso mando-te uma mensagem a dizer que gostei mesmo muito de te ver. Nunca me respondeste e eu nunca mais te vi.